Costumo fazer desenhos grandes que consomem bastante tempo e exigem de mim uma certa constância, uma espécie de mecanicismo. Trabalho com bico de pena e começo meus desenhos do canto inferior direito e vou subindo, linha por linha até chegar ao canto superior esquerdo. Opero como uma impressora, mecanicamente entintando uma folha de papel em branco. O processo é lento e por vezes maçante. Posso passar semanas preenchendo, com pequenos e repetitivos tracinhos, a vasta superfície de um único papel. Por isso, grande parte de minhas composições surge de forma automática: a mão opera sozinha enquanto pensamentos vem e vão livremente. Minha relação com o mundo externo é muito auditiva e eu gosto de explorar isso em meus trabalhos. Além de morar no centro de São Paulo, região que me atrai pelo dinamismo sonoro, preciso ter algum outro tipo de barulho no ambiente quando estou trabalhando. Deixo sempre a televisão ligada, liberando fragmentos de informação que se alojam nas dobras do meu cérebro. Não é a melodia harmoniosa de uma música que inspira meus desenhos, mas ruídos intrusos, inevitáveis e em constante mutação. Gosto de pensar que eu funciono como uma antena torta que capta estes ruídos e fragmentos aleatórios de informação e os une no papel. Ao iniciar um desenho há pouco planejamento, não sou adepto de sketchbooks e não me preocupo muito em pré-estabelecer uma estrutura ou em desenvolver um conceito organizacional que vá guiar o processo. Gosto de sentar e começar a desenhar. Gradualmente surgem minhas composições; emaranhados de linhas, grafismos, padrões, personagens e motivos que se entrelaçam e repetem. Mas, se meus desenhos grandes envolvem pouca estruturação, os desenhos menores são milimetricamente planejados. Para montá-los eu faço recortes composicionais específicos que são posteriormente tratados no computador.
A figura da máquina falha serve para fazer uma relação entre meu processo de pesquisa e prática com grandes centros urbanos como a cidade de São Paulo. A cidade se fabrica e refaz diariamente, ela é caracterizada por camadas sobrepostas de construção que nem sempre envolvem planejamento. Há planejamento, é claro, mas este é muitas vezes falho. Por isso, os habitantes da cidade devem aprender a lidar com erros e acidentes de percurso que fazem parte da paisagem urbana. Estamos acostumados a presenciar construções (prédios, calçadas, parques, etc.) que são resultantes da justaposição de áreas planejadas e áreas que surgem através do erro ou da gambiarra. As grandes cidades representam bem o embate entre o tecnológico, que se pretende infalível, e o humano, que é extremamente falho. Este embate existe também nas tramas de meus desenhos. Em minhas pequenas narrativas o tempo
corre de forma não linear, por meio do acúmulo gradual de informações. O resultado são formas mais organizadas e automáticas que se dissolvem em emaranhados de linhas e manchas acidentais.
Gabriel Torggler
2017